OS ANJOS DA MEIA-NOITE - Castro Alves 7a. SOMBRA

DULCE

Se houvesse ainda talismã bendito
Que desse ao pântano — a corrente pura,
Musgo — ao rochedo, festa — à sepultura,
Das águias negras — harmonia ao grito...

Se alguém pudesse ao infeliz precito
Dar lugar no banquete da ventura...
E trocar-lhe o velar da insônia escura
No poema dos beijos — infinito...

Certo... serias tu, donzela casta,
Quem me tomasse em meio do Calvário
A cruz de angústia, que o meu ser arrasta! ...

Mas se tudo recusa-me o fadário,
Na hora de expirar, ó Dulce, basta
Morrer beijando a cruz de teu rosário! ...

OS ANJOS DA MEIA-NOITE - Castro Alves 8a. SOMBRA

ÚLTIMO FANTASMA

Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,
Que te elevas da noite na orvalhada?
Tens a face nas sombras mergulhada...
Sobre as névoas te libras vaporoso...

Baixas do céu num vôo harmonioso! ...
Quem és tu, bela e branca desposada?
Da laranjeira em flor a flor nevada
Cerca-te a fronte, ó ser misterioso! ...

Onde nos vimos nós? ... És doutra esfera?
És o ser que eu busquei do sul ao norte...
Por quem meu peito em sonhos desespera? ...

Quem és tu? Quem és tu? — És minha sorte!
És talvez o ideal que est'alma espera!
És a glória talvez! Talvez a morte! ...